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Borda, de Flávia Souza Lima

event_note30/11/2025 09:01
Vamos pensar na hipótese de um livro de poemas aguardado aparecer como um raio, estrondosamente, e dominar o espaço. E o tempo. Assim foi com Borda (Numa Editora, 2025), novo livro de poemas de Flávia Souza Lima. Era já imensa a expectativa para essa leitura. Ao escrever sobre seu livro anterior, Desjeitos (Numa Editora, 2021), mencionei uma certa orfandade ao chegar ao fim daquela leitura. Era esse sentimento que tinha quando em uma manhã de domingo aninhei nas mãos o volume que trazia o mesmo formato editorial, que se encaixa nas mãos, a mesma textura do papel que proporciona um prazer tátil e um chiado reconfortante ao virar a página.

Borda. Beira. Bordado. O jogo de palavras que produzem imagens começa na capa.

Qual um raio, o primeiro poema descortina a paisagem poética que se anuncia. A poeta diz que tal poema nada diz. Se não diz, mostra a sensibilidade criativa da autora ao revelar reações que a poesia pode causar em nós, para elém salvar afogados, como vaticinou Quintana.

O ritmo dos poemas são uma marca inconfundível da poesia de Flávia. Ela perece colocar com uma pinça as palavras no lugar certo para fazer o som tomar conta da boca. É quase impossível não a ler em voz alta, as palavras pedem, como no poema LITORAL NORTE (pág. 43)

“a vida sumia
o que era serra
o que era mar
o que era carnaval
já não se sabia”


Nesse poema, esbanja recursos ao introduzir ao final da maioria das estrofes o sinal gráfico “--" para antagonizar, desdizer, duvidar do que foi dito antes. O som “ão” após esse símbolo lembra negativa, “-- ou não”.

Sinais gráficos, aliás, são elementos bem presentes neste livro. A autora traz para o poema o que, talvez, era para ser omitido. Não é raro em manuscritos o famoso traço horizontal sobre as palavras que poetas querem cortar, eliminar. Aqui ela mostra o que cortou. O corte faz parte do poema. Em “AMAR_ELO” (pág. 41), ela coloca

“um aceno de
sol se põe
sobre a pele da pétala”


de uma amarela flor, que resiste. O poema segue (ou seguiria)

amarela e só
partiu
sem despedida

mas a poeta risca, corta, os versos desta e da próxima estrofe. Isso de partir sozinha não pode acontecer. Em DESTE LUGAR ONDE NÃO SE ESTÁ (Pág. 104) é ainda mais acintosa. Um “X” corta várias estrofes. É para ler? Uma curiosidade nos invade. O que ela não quer dizer e diz?

O uso do espaço em branco da escrita, herança mallarmaica, e a disposição do poema na página, traço concretista que me encanta, ganham destaque. Por exemplo, em CONCLUSÃO (Pág. 58), temos que rodar o livro, nos mexer, ver sob outro ângulo, para concluir que das coisas tristes nascem coisas bonitas. um poema sem título (Eu você - Pá. 148) se espalha na folha numa mistura de desordem e estrutura física com palavras alinhadas-empilhadas, no melhor estilo concreto, enfatiza o pensar contínuo em alguém. Em O AMOR HÁ DE (Pág.68), partindo de Christovam de Chevalier, amigo e grande poeta, uma estrutura surge como pilar para dizer que o amor há de vir.

Não poderia faltar uma assinatura marcante da escrita de Flávia Souza Lima: os pequenos-imensos poemas, que são remédios que ela ensina o MODO DE USAR (Pág.116)

“em caso de
coração partido
aplique um poema
na área afetada
até que desapareçam
os sintomas

ou você”


Menos é sempre mais na poesia dela (Pág. 69):

COMOVIDA



, como a vida.



Para mim, nesse poema, “como” é verbo.


Sem falar nas imagens criadas. Ouvir um mar na concha é só uma questão de “encostar” (CUIDADO, FRÁGIL Pág.39 - que maravilha!).

E esse livro, ao se fechar, mesmo passando por dores (de amores e outras), deixa em nós uma brisa suave, leve, como a poeta nos pede para levar dela apenas o que for leve. Sobre as reações que a poesia pode despertar em nós, ao fim da leitura, posso dizer que os pretensos poemas fazem brotar sorrisos.
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