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Vero brilhante, de Leonor Vieira-Motta

event_note09/11/2025 18:31
A escritura do poema é diversa e cada um tem seu jeito. Uns respeitam mais como o poema se manifesta, outros tendem a burilar mais, retocar, aperfeiçoar, lapidar, por assim dizer. Cada forma de poetar tem seu tempo. Carlos Drummond de Andrade em “Procura da poesia”, aconselha aos(às) poetas:

“Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
Ei-los sós e mudos, em estado de dicionário.
Convive com teus poemas, antes de escrevê-los.”

Conviver com os poemas, calma e surdamente, colher na lavra do dicionário a palavra bruta que pode ser lapidada para virar pedra angular da construção poética.

Olavo Bilac, em Profissão de fé, compara o poeta ao ourives que

"Torce, aprimora, alteia, lima
A frase; e enfim,
No verso de ouro, engasga a rima,
Como um rubim."

Assim é o fazer poético de Leonor Vieira-Motta: cuidadoso, profundamente atento à língua, à vida, à função poética. E desse jeito de construir poemas, surgiu, lapidado, Vero brilhante (2005). Há exatos 20 anos vinha a lume uma obra com assinatura inequívoca de uma grande poeta-ourives.

A construção parece frágil em Cimento fresco (pág.22), pois a mesmice dos dias

“Escorre
por nossa laje
e nos impulsiona
para a insegurança
do andaime.”

A poesia é segura mesmo quando

“Sobre um plano pântano edifico-me
e a eterna ameaça dos crocodilos
faz com que eu afunde mais rapidamente
num plano movediço”
(Planos, pág. 24)

A musicalidade está presente na construção poética, sim, claro, como uma pianista pode não encher de notas e ritmo aquilo que sai de sua construção artística? Encontramos dança (Decreto a partir de Thiago Melo, pág. 29)

“de frevo
de xote
de valsa.”

Versos livres ganham ritmos alucinantes com aliterações polidas com a politriz afiada da poeta-ourives:

“O futuro
não sei
faço
no traço
no passo
no desembaraço de um novelo
de fio infinito de meada.”
(Ouro e arei, pág.28)

A semântica, por vezes, é prismática, reluzente. Todas as mil faces da palavra, como definiu Drummond, são usadas nas construções de Leonor. No poema Nós (pag. 68),

“Cabeças são portos.
Portos de eus.
Eus de nós
atados
cegos
e marinheiros
como nós.”

Os nós cegos, atados, podem ser amarras em cordas para parada de passadores ou prender fitas do Bonfim, mas podem ser também, literalmente, pessoas presas e sem poder enxergar as coisas entre elas. Os signos assumem diferentes significados no mesmo lugar do poema. São os leitores e leitoras que vão quebrar essa degenerescência com suas vivencias. O poema, então, poderá ser terminado

Encontramos, por certo, rigor linguístico, precisão estética, mas a oralidade está presente e ajuda na completeza, na reluzência de terras raras. A natureza domada pelo homem dita suas necessidades. Para que ter sede? Por percisão da boniteza (pág. 109), um poema capiau nos informa que

“No fundo do poço
seu moço
não acaba
nada.

No fundo do poço
seu moço
brota é
mais água.

Por percisão
da boniteza
tenho é
sede.”

É preciso falar, também, da boniteza do projeto gráfico. Ilustrações de Erastóstenes vão criando uma ambiência poética, jogando focos de luz nas joias-poemas.

Os veros brilhantes têm procedência e descendência. Os poemas não esquecem as origens, pai e mãe, e descendências, seus meninos. Naquele tempo o neto era sonho distante que há pouco se materializou. Mas a influência literária aparece, por certo. Dons Quixotes e Casmurros a sofrem-lutam por Capitus e Dulcinéias.

Ao fim e ao cabo, saímos ofuscados, aquecidos, e elevados ao terminar uma leitura ímpar posta nas vitrines há vinte anos, mas que jamais perderá o brilho.
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