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“Para se ler no claustro” é um livro para se ler não importa onde

event_note29/03/2024 17:56h
Resenha do livro "Para se ler no claustro" - de Flávia Bon Cardoso
por José Huguenin

O livro de estreia da conterrânea cantagalense, a poeta Flávia Bon Cardoso, vem à luz em grande estilo: vencedor do Prêmio Nacional de Literatura promovido pela Academia de Letras de São João Del-Rei - MG. Mas não é isso que o define. Desconfio pelo prefácio do Presidente da Comissão Julgadora, o escritor Evaldo Balbino, que foi impossível à comissão julgadora passar incólume a leitura desses versos. Assim é para quem se entrega a começar a lê-lo. Não saímos sem sermos profundamente tocados. Basta começar para ir até o fim, avidamente.

É uma poesia bonita de se ler, não importa onde, apesar da indicação do título. Sim, vai bem a leitura destes poemas no claustro dos nossos dias presentes, mas os poemas nos aconchegam mesmo tratando o tema mais espinhoso. As palavras escolhidas para construírem sua poesia são abauladas, não são pontiagudas (por isso o aconchego) mas não tapam o sol com a peneira quando o poema tem que ser firme. Quando o eu lírico não pode esquivar-se do barulho em que se mete, seja na Palestina ou nas lajes onde meninos morrem soltando pipas (“turra”, pág. 81) não há meias palavras. O tema é duro. O recado é firme. Mais o poema é lindo. Como se canários e sabiás estivessem a dizer as coisas mais brutais.
Assim é o livro. Desde evocações da infância através da convivência com sua avó (“inventário”, pág.47) até o “desvario” (pág.31), onde o eu lírico confessa

“vagueei sob o feito de noites insones
As longas veredas da humanidade”.

Sim, as “veredas da humanidade” são percorridas por nós guiados pelos versos desse livro. São veias abertas. É um livro humano. Não foi escrito por uma máquina, por mais perfeita que seja o emprego da língua. Mas os poemas sangram e exalam cheiros agridoces, sabores de miolo de pão. Os poemas, senhores, cheiram. Muito.
Nos fazem transpirar. No poema “claustro” (pág.22) lemos

“Sei o esforço que fiz
Para manter meu território isolado.
Sei a quantidade de pedra que investi na muralha.
Suspeitei-a intacta!”

Quem de nós não tenta se isolar nesses dias? Nós sabemos quanta pedra carregamos, mas ao fim e ao cabo desse livro, a água invade a muralha e nos desarma. E gostamos disso.



Dividido em três parte (PAUSA, EVOCAÇÃO E PORVIR), os poemas vão construindo pontes. Me chamou muita atenção o poema “noções de física” (pág.60). A noção de espaço é evocada para dizer que “o mundo”, “o mar”, “o azul” não podem ser contidos no aro da bicicleta. É um princípio físico inexorável. Mas afirma que são essas coisas

“o sistema que transforma a força das pernas
na rotação do aro.
das coisas mais intangíveis,
o impulso capaz de girar a mecânica dos corpos sólidos.”

É uma coisa linda de um poeta e um físico lerem. Essa “rotação do aro” é o tocar a vida. Se a “mecânica dos corpos sólidos” não gira, a estática nos prende e o porvir se esvai. Em “o que resta” (pág.36) aprendemos que

“ninguém mais do que nós
escreverá o que
fomos o que
somos o que
seremos, o que
deixamos de Ser” .

O poema “alinho” (pág.57) é um exemplo de escrita hermética que nos suga para dentro daquilo tudo, “espremer”, “constringir”... “comprimir”... qualquer claustro é mais arejado do que a atmosfera desse poema.



Para quem gosta de poesia, os versos de “leste” (pág.69) deixa um recado importante:

“aos poetas dizem eternizarem-se em suas obras
eu escrevo como quem urge sobreviver ao momento”.

Saímos da leitura desse primeiro livro de Flávia Bom agarrados ao momento, almejando sobreviver aos dias, com o desejo de estar de mãos dadas aos nossos companheiros como explicitou Drummond. Sim, vemos a nós e aos outros nas imagens poéticas criadas palavra por palavra nesse castelo.

E, “para um fim” (pág.86), somos perguntados:

“quando foi que esqueceste a delícia
de te atirares sem reserva?

Parei nesses versos e pensei um pouco tentando responder. Não pensei muito, não. Respondi que foi há poucas horas quando comecei a ler este livro. Sim. O tempo não cabe na poesia que se nos apresenta aqui.

Tantos outros poemas, tão bonitos de se ler. Me seguro, pois de outra forma posso privar quem me lê do assombro de descobrir a força da poesia de Flávia Bon.
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