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Sobre humanidade e liberdade após Sanatório, de Rafael Huguenin

event_note25/05/2025 10:16
Correr. Movimentar-se para desacelerar a mente. Eis a premissa do doutor em filosofia, escritor, tradutor e professor Rafael Huguenin.

Em seu mais recente livro, Sanatório, ele apresenta relatos anotados com papel e caneta durante viagens pelas serras fluminenses, notadamente no Arraial do Sana, onde se encontra a Pedra do Peito do Pombo, magnífica escultura natural (talvez, não totalmente natural, como ficamos sabendo na leitura). São 12 textos relatando alegrias e vicissitudes da caminhada, da corrida que, nas notas feitas em momentos de pausa e reflexão durante o trajeto, de maneira espontânea, sôfrega, apontam para questões importantes da existência.


Um fato quase místico ao contornar Pedra do Peito do Pombo desencadeia reflexões sobre a “mecânica do movimento” e como, para o autor, isso representa na lida com as sensações. Ele diz que correr o faz estancar o fluxo de pensamento, muitas vezes carregados de lembranças duras, essas que todos têm que lidar em suas vivências. Mais para o final do livro ele traz Antístenes e Diógenes, representantes de uma filosofia e estilo de vida “corredor”, onde a formação da percepção é favorecida pela prática de exercícios físicos e o “sofrimento” proveniente deles, dos exercícios. Corpo e alma ganham nova amálgama. Uma espécie de beatitude nasce quando percebemos, de fato, o que que precisamos para viver.

Nas descrições sucintas e poéticas de todo ambiente das montanhas, trilhas, cachoeiras, na contabilidade de distâncias e altitudes que sempre o levava ao cansaço, à exaustão, sentimos o quanto o “corredor” conseguiu seguir em frente, suplantar pedras do caminho, embora as dores que elas provocam nunca sejam de todo sanadas.

Nos relatos das viagens, as mudanças na região como as formas de exploração da terra pelo ecoturismo nos levam a reflexões profundas sobre “ser” e o “ter”. Observações singelas em caminhadas e o modo como as pessoas se relacionam lá nos faz trazer tais vivências imediatamente para o nosso cotidiano. Isso nos faz pensar sobre a humanidade e em que vamos nos transformando. Humanamente, o autor se põe também no lugar dos outros e, em sintonia com a companheira de caminhada e de vida, mostra que certos embates não valem a pena serem travados, para nossa própria sanidade.

Fui fortemente impactado no que diz respeito ao que chamamos liberdade. Ao contabilizar o gasto per capita nas viagens, nos mostra quão limitada é a liberdade de ir e vir. Para tanto, somos presos àquilo que nos garante a subsistência. Me emocionei profundamente com a epifania do autor ao contemplar o olhar de uma mula que transportava produção de bananas da região. Que passagem poética e filosófica sobre as imposições que nos fazem parcialmente livres e nunca totalmente felizes. A narração é carregada de muita emoção e é impossível que estas emoções não nos contagie.

Essa escrita em papel, lidando com o fluxo de palavras como quem escolhe onde pisar em plena corrida (essa é uma linda metáfora de escrita com que nos brinda Rafael) é, de certa forma, para ele, como continuar a correr. Isso faz com que sua escrita seja intensa e seu estilo nos envolva em um pensar constante, acelerando sentimentos que até então não nos dávamos conta que estavam em nós. Sua escrita traz muita poesia e a forma como nos toca sutilmente é marca indelével do grande escritor que é.







PS: Sim, somos primos. Nos víamos pouco na adolescência e juventude pois morávamos longe, mas esses encontros sempre me traziam muita alegria, muita admiração pelo seu pensar diferenciado sobre como eram as coisas. Hoje vejo que seus caminhos teriam mesmo que o levar para veredas da filosofia. A correria da fase adulta associada às direções aleatórias em que temos que sair em disparada para vivermos a vida nossa de cada dia acabaram por nos distanciar. Mas as palavras, as letras, proveram, de certa maneira, um reencontro e estou muito feliz por isso. Dividimos a profissão (somos professores) e a necessidade de escrever para continuar a viver.
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